24 de jul. de 2018

MATINAL

Ninguém conseguia entender minha gritaria, eu simplesmente tinha cansado da dor de cabeça causada pelo cabelo esticado em duas tranças insanas que minha mãe levava longos minutos fazendo.
Era o ritual de tortura matutina: pente entrando, abrindo veredas da testa à nuca. Estica, estica, estica e enlaça à esquerda. Estica, estica, estica e enlaça à direita. Amarre nas pontas uma fita colorida ridícula e exponha sua filha aos puxões, ameaças com tesoura e musiquinhas bizarras.
Nesse dia, eu cansei, me rebelei, desatei as fitas, afrouxei os enlaces e soltei uma juba descomunal em sala de aula. Mas, imediatamente, as dores cessaram! Foda-se se chamaram a diretora, se tentaram me pentear novamente, se eu chutei muitas canelas, se fui posta de castigo, se chamaram minha mãe, se tentaram me doutrinar, subornar, coagir. Nada deu tanto prazer quanto o cabelo rebelde balançando alto, medusa pós-moderna, segura e ameaçadora.
Jurei nunca mais me comportar, conformar, diminuir, estranhar. Parti para o confronto, para a rebeldia fundamentada, para os olhos ferinos e a língua afiada. De dentro do quarto de empregada, nunca mais se ouviu o choro matinal…

(DENISE HOMEM)

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