24 de jul. de 2018

MATINAL

Ninguém conseguia entender minha gritaria, eu simplesmente tinha cansado da dor de cabeça causada pelo cabelo esticado em duas tranças insanas que minha mãe levava longos minutos fazendo.
Era o ritual de tortura matutina: pente entrando, abrindo veredas da testa à nuca. Estica, estica, estica e enlaça à esquerda. Estica, estica, estica e enlaça à direita. Amarre nas pontas uma fita colorida ridícula e exponha sua filha aos puxões, ameaças com tesoura e musiquinhas bizarras.
Nesse dia, eu cansei, me rebelei, desatei as fitas, afrouxei os enlaces e soltei uma juba descomunal em sala de aula. Mas, imediatamente, as dores cessaram! Foda-se se chamaram a diretora, se tentaram me pentear novamente, se eu chutei muitas canelas, se fui posta de castigo, se chamaram minha mãe, se tentaram me doutrinar, subornar, coagir. Nada deu tanto prazer quanto o cabelo rebelde balançando alto, medusa pós-moderna, segura e ameaçadora.
Jurei nunca mais me comportar, conformar, diminuir, estranhar. Parti para o confronto, para a rebeldia fundamentada, para os olhos ferinos e a língua afiada. De dentro do quarto de empregada, nunca mais se ouviu o choro matinal…

(DENISE HOMEM)

INSENSATA

Me afogo em seus cachos, ávida por colher um carinho e temendo importunar.
O fogo me consome quando aproximo meu corpo do seu,
minha boca teima em sorver seu mamilo.
Só me sinto segura, entre seus seios mornos e preguiçosos.
Me irrita a tarde passando lá fora, sem se dar conta que a noite te leva embora,
de volta à fábula de esposa.

(DENISE HOMEM)

21 de jul. de 2018

GOZO

Eu passei o dia inteiro assombrada pelo seu fantasma, o corpo sacudido de forma intermitente pela lembrança de sua cabeça entre as minhas pernas. A língua morna, suave e ousada, passeando por minhas coxas. Você me mordiscando, sorvendo minha umidade e a gratificação do orgasmo como parâmetro para todo e qualquer pequeno prazer cotidiano: o cafezinho, as flores, o almoço, a sobremesa, a música, o vinho. Nada se comparava à potência do primeiro gozo proporcionado por sua boca, uma experiência roubada de nossos pares.
Mesmo assim, ataquei as tarefas domésticas como única tábua de salvação. Sempre fui assim, quando algo me perturba busco refúgio na exaustão: limpar, lavar, passar, cozinhar. Uma vez, enchi o freezer de comida para seis meses, foram quase doze horas com o forno e o fogão acesos. Nesse dia, descobri a amante de meu marido. Antes de me lançar à louca experiência culinária, pensei em matar os dois, lógico! Porém, meus filhos não mereciam o destino de pai morto e mãe presa. Eu não queria chorar, precisava pensar, armar um esquema de sobrevivência e eu só conseguiria ralando duramente, malhando o judas em meu corpo.
Como boa esposa católica eu buscava a culpa implícita naquela merda que transbordava no meu colo. Só podia ser um defeito meu, entregue ao lar, devotada aos filhos, a manter tudo em ordem mesmo com o caos instalado em minha alma reprimida. Para mim, mulher gozar fazendo barulho era um erro primário. Quem, em sã consciência, quer ser confundida com uma puta? Eu pensava assim!
Penso diferente agora, trair foi um ato de rebeldia que me libertou. Não tenho a menor pretensão de me separar, sou boa em manter as aparências, as convenções sociais. Meu marido está até mais feliz, pois minhas dores de cabeça acabaram definitivamente, compenso o ato risível de me deitar com ele pensando em você, nas longas preliminares, no tempo que dedica ao meu corpo duas tardes, toda semana.

(DENISE HOMEM)

EXCITAÇÃO

Sinto ódio desse amor,
que me faz lembrar do teu cheiro,
que torna os seios túrgidos e
umedece entre as pernas.
Tenho profunda raiva do tempo
e da distância, que impedem
a minha língua de entrar na tua boca,
na tua orelha e de descer até teus mamilos
Quero teu corpo arremetendo contra o meu,
me sentir invadida e preenchida, ardida e doída.
Vejo, ainda hoje, seus olhos me dizendo sim,
enquanto sua boca dizia não.
Quero de novo sua mão tateando minha bunda,
me puxando de encontro ao seu pau pulsante
em plena Avenida Rio Branco.

(DENISE HOMEM)

LOUCA FILOSOFIA

Vivo correndo. Vivemos correndo todos!
Dizem que tenho alma de artista.
De poeta… mas me olho no espelho
e não entendo o meu rosto.
Esses olhos, esse olhar de demência.
Será que todo poeta é, deveras, louco?
Maldita sina,
visão de profeta que vê a guerra
e não acredita na própria capacidade de perdão.
Não vi nunca, nenhum poeta, artista
ou louco rezar.
Por que será?

(DENISE HOMEM)