21 de jul. de 2018

GOZO

Eu passei o dia inteiro assombrada pelo seu fantasma, o corpo sacudido de forma intermitente pela lembrança de sua cabeça entre as minhas pernas. A língua morna, suave e ousada, passeando por minhas coxas. Você me mordiscando, sorvendo minha umidade e a gratificação do orgasmo como parâmetro para todo e qualquer pequeno prazer cotidiano: o cafezinho, as flores, o almoço, a sobremesa, a música, o vinho. Nada se comparava à potência do primeiro gozo proporcionado por sua boca, uma experiência roubada de nossos pares.
Mesmo assim, ataquei as tarefas domésticas como única tábua de salvação. Sempre fui assim, quando algo me perturba busco refúgio na exaustão: limpar, lavar, passar, cozinhar. Uma vez, enchi o freezer de comida para seis meses, foram quase doze horas com o forno e o fogão acesos. Nesse dia, descobri a amante de meu marido. Antes de me lançar à louca experiência culinária, pensei em matar os dois, lógico! Porém, meus filhos não mereciam o destino de pai morto e mãe presa. Eu não queria chorar, precisava pensar, armar um esquema de sobrevivência e eu só conseguiria ralando duramente, malhando o judas em meu corpo.
Como boa esposa católica eu buscava a culpa implícita naquela merda que transbordava no meu colo. Só podia ser um defeito meu, entregue ao lar, devotada aos filhos, a manter tudo em ordem mesmo com o caos instalado em minha alma reprimida. Para mim, mulher gozar fazendo barulho era um erro primário. Quem, em sã consciência, quer ser confundida com uma puta? Eu pensava assim!
Penso diferente agora, trair foi um ato de rebeldia que me libertou. Não tenho a menor pretensão de me separar, sou boa em manter as aparências, as convenções sociais. Meu marido está até mais feliz, pois minhas dores de cabeça acabaram definitivamente, compenso o ato risível de me deitar com ele pensando em você, nas longas preliminares, no tempo que dedica ao meu corpo duas tardes, toda semana.

(DENISE HOMEM)

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