4 de jan. de 2013

PARADIGMAS E MUTAÇÕES

O filme “Ponto de mutação” é baseado no livro de mesmo título de Fritjof Capra e se passa na cidade de Mont Saint Michel, no litoral da França onde, em um único dia, ocorre um encontro casual em um castelo medieval entre os três personagens principais, todos em crise: uma cientista desencantada com o mau uso de suas descobertas no projeto Guerra nas Estrelas e família fragmentada, um relutante candidato à presidência dos Estados Unidos e um dramaturgo em crise existencial, em busca do sucesso. Entre provocações mútuas, desenvolvem um diálogo que visa compreenderem melhor os paradigmas para o futuro da própria existência humana no planeta, a partir do modo de funcionamento de um relógio muito antigo e em cima disso se desenrola toda a trama do filme. Para tanto lançam mão de pensadores como Descartes, cientistas como Einstein e temas interligados: ecologia, política, física quântica, poesia e tecnologia. O filme traça um panorama da história da humanidade, em relação ao desenvolvimento do pensamento científico, da Europa do século XVII até os dias atuais, apontando aspectos importantes e envolvendo a discussão dos pontos positivos e negativos da produção científica, marcadas pelo poder e pelo lucro, uma vez que a posse das invenções é de quem financia e patenteia. Fala também do empobrecimento das relações afetivas e sociais, da falta de prestígio da dignidade da pessoa e, acima de tudo, a injustiça social. Entendemos melhor o conceito de sustentabilidade (desenvolvimento, comunidade, educação…) no capítulo “Alfabetização Ecológica”, do livro supracitado. Evoluir a e na sociedade contemporânea significa passar para uma situação melhor que a anterior, deixarmos para as próximas gerações um planeta com mais possibilidades tecnológicas e menos resíduos. Porém, para tanto é necessário equilibrar as forças producentes (de bens de consumo e conhecimento) de forma holística, pois o tempo todo o mundo se estabelece na relação de tudo com tudo e todos, em processos de convivência e interação. Surge, neste momento, o grande desafio dos educadores: sobrepor esta concepção de Universo interconectado à visão epistemológica fragmentada, praticada pelo docente no cotidiano escolar. Para mover, de maneira eficaz, as forças socioculturais, políticas e econômicas (em suas tendências globalizadas) que colocam o homem acima e/ou fora da natureza, teremos que trabalhar com um dos maiores problema da humanidade: a percepção. A internet 2.0 é uma ferramenta poderosa no intuito de propor novas relações, novos valores e novas formas de ver o mundo, que considerem relações, padrões e contextos. O “Ponto de Mutação” deixa explícito que a crise de percepção (distorcida e baseada no individualismo e na separação entre pessoas, coisas e eventos históricos) foi causa dos grandes problemas da humanidade no século XX: destruição do meio ambiente, desigualdade social gritante entre países do Norte e do Sul, ameaça de guerra nuclear, exploração do homem pelo homem, preconceitos de cunho político, étnico e de credo. A ideologia dominante do neoliberalismo foi promovida pelas instituições na sociedade, através da promoção de conceitos e valores que privilegiavam o TER em detrimento do SER. Consequentemente, valores morais foram tidos como obsoletos e o hedonismo justificou e racionalizou sentimentos menos nobres, como egoísmo e avareza. O paradigma, que Capra chama de newtoniano-cartesiano, pressupõe que o universo é uma grande máquina mecânica, que funciona em separado, por partes. Porém, devemos questionar a visão de mundo imposta e iniciar uma revisão radical em conceitos como: espaço, tempo e matéria, provando a interdependência de fatores que pareciam não se conectar. Em sociedade lidamos com redes vivas, que produzem pensamentos, comunicações, significados intangíveis, seu fruto é imaterial. A cultura cíclica que é retroalimentada por novas comunicações, cria novas identidades e distinções. Em ecologia aprende-se, hoje, que somos frutos do ambiente natural em intensa interação com outros sistemas. Ou seja, ao agirmos contra a natureza, atingimos a nós mesmos. Precisamos aprender que, além de estudar métodos de controle de poluição, é importante fomentar a reavaliação dos conceitos, criando ambientes propícios à construção de uma nova ordem, que resolva os problemas causados pela aglomeração nos grandes centros em decorrência do desenvolvimento industrial e urbano acelerados, impulsionados principalmente pelo avanço do sistema capitalista. Devemos raciocinar que vivemos em um mundo de recursos limitados e finitos, tanto da natureza quanto da capacidade do homem de absorver as injustiças sociais causadas por uma politica econômica que mergulhou-nos em uma crise global, que se arrasta desde outubro de 2008 até os dias de hoje. O desenvolvimento sustentável é aquele que melhor atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades, deve abranger todos os interesses, procurando identificar e evitar os problemas antes que eles surjam, deve ser adaptável, redirecionando continuamente o seu curso, em resposta às novas necessidades, assegurando o desenvolvimento econômico com a proteção da qualidade ambiental. Esta mudança deverá refletir-se em atitudes mais orgânicas, holísticas e fraternas entre os seres humanos e a natureza, em todos os seus aspectos. Devemos abrir nosso horizonte, escapar do conforto fornecido pelo controle tecnológico, mas não da compreensão de suas implicações. Somos responsáveis por nossas palavras, ações, descobertas e dos efeitos delas no universo. O objetivo mestre das sociedades modernas que buscam perpetuar-se deve ser ensinar como se dão os processos do desenvolvimento sustentável e a busca do equilíbrio para a sobrevivência humana, já na primeira infância. As “comunidades de aprendizes” são o local em que ensinar é aprender junto, vivenciando por experimentos e desafios intelectuais, aproximando os estudantes do objeto “Planeta Terra” e servindo de mediador do processo de apropriação sustentável. Capra diz que o consenso educacional reconhece que: ”um ambiente de aprendizagem rico, multissensorial – envolvendo as formas e texturas, as cores, odores e sons do mundo real – é essencial para o pleno desenvolvimento cognitivo e emocional da criança”. Novas pesquisas no ramo da neurociência mapearam processos de aprendizagem, levando ao entendimento da interconectividade do corpo, cérebro e mente: um sistema auto organizado, complexo e adaptável. Porém, o crescimento do cérebro não forma novas células neurais, ele promove, entre os neurônios, a criação de sofisticadas conexões neurais, em rede que altera sua conectividade conforme o ambiente, “um ambiente emocionalmente seguro é crucial para a aprendizagem”. O nível dos hormônios de estresse funciona como fator determinante para o aprendizado – em excesso, limitam a percepção aos objetos concretos, ocorre o deslocamento do todo para as partes. Capra sinaliza cinco tópicos primordiais nos currículos escolares, para tornar a alfabetização ecológica tema central da educação em todos os níveis: 1. Eliminar a inutilidade dos resíduos (na natureza, o resíduo de uma espécie alimenta outra); 2. O sentido diminuto de propriedade, na vida a matéria circula ininterruptamente, 3. O sol como fonte primordial de energia limpa; 4. A resiliência (habilidade de persistir nos momentos difíceis mantendo a esperança e a saúde mental) é assegurada pela diversidade; 5. A conquista do planeta só se dá pela cooperação, pelo trabalho em rede e por parceria. Em relação à força bruta, a natureza se impõe de forma soberana. Espera-se com isso que a troca de informações em ciclos favoreça a aprendizagem das novas gerações, levando os princípios da ecologia para dentro da comunidade, por pensamentos, ações e afetividades. Acima do que nos separa (raça, cultura, classe social), a sobrevivência da humanidade depende de nossa capacidade de viver de acordo com esses princípios básicos.